Como eu demorei para fazer essa postagem, fará um ano nesse dia 28! Ainda bem que teve gente para me lembrar sempre que eu esquecia de continuá-la enquanto estava ocupado com as outras séries, e eu agradeço bastante. Bem, aqui estamos com a continuação da Ciência de Dr. Stone!
Para quem não viu a parte 1 ainda, basta clicar aqui. Você pode ler fora de ordem, já que eu sigo apenas a ordem do mangá. Nessa postagem devo abranger mais ou menos do capítulo 10 até partes do capítulo 20.
Antes, um aviso: é preciso entender que Dr. Stone não tem o papel de divulgação científica. Ele é uma obra de ficção científica. Em obras assim, conceitos de ciência são passados e comentados, porém o objetivo não é ensinar diretamente o espectador. Como a ciência precisa favorecer a história, às vezes exageros ou erros acontecem, então eu, como entusiasta da divulgação científica, não me incomodo com o jeito que a ciência é mostrada. Seria diferente se erros assim acontecessem em canais ou programas de divulgação científica, por exemplo, como a série Cosmos. Dr. Stone é, acima de tudo, um anime, e já me deixa bem feliz que ele faça as pessoas pesquisarem sobre ciência, que é o que obras de ficção instigam muito bem. Afinal, se vocês estão aqui, é porque estão interessados, não é?
Como eu adoro falar de ciência, talvez eu tenha me empolgado um pouco e esse post tenha ficado grande. Por causa disso vou deixar toda a etapa da criação dos remédios (que é bem complexa) para uma parte 3, onde poderei explicar direitinho com mais detalhes. A parte 3 vai sair mês que vem, prometo, porque já estou trabalhando nela.
Queria começar falando de alguns experimentos que Senku fez na sua infância e que vimos rapidamente por flashbacks.
Um deles é bem simples e nem paramos para pensar como funciona, que é usar uma lupa para queimar coisas. As lupas possuem uma lente com um formato que a torna do tipo convergente, isso quer dizer que elas pegam a luz de um ponto e ampliam. É claro que a lupa não pega um único ponto, e sim todos os que estão à frente dela e ampliam todos. Assim, aumentamos tudo que vemos com ela. Mas a luz pode fazer o processo ao contrário, que é pegar a luz ampliada e fazer ela concentrar em um único ponto. Ou seja, toda a luz do Sol (que é energia) concentrada em um ponto significa muita energia naquele lugar, ou seja, maior temperatura. Numa analogia, é como se a lupa fosse um funil de luz.
Essa discussão sobre lentes aparece novamente durante o torneio da vila, onde fica claro que a lente precisa ser convergente para focar a luz e queimar.
O outro já é bem mais pirotécnico. E perigoso. A reação termite consiste na mistura de duas substâncias: a primeira é o pó de algum metal, a segunda é um óxido metálico (substância com oxigênio). O oxigênio do óxido vai reagir e se ligar com os átomos do metal e isso libera grandes quantidades de energia. Sério, muito mesmo. Algumas reações chegam a passar de 3000°C (3 mil graus Celsius), o dobro do que é preciso para, por exemplo, derreter ferro. Dá até pra derreter aço com isso, por isso a reação é muito usada quando se precisa derreter e juntar trilhos de trem.
A reação fica mais potente quando se usa alumínio como o metal, junto com óxido de ferro. Um dos tipos de óxido de ferro é o que conhecemos como ferrugem, então sim, ferrugem com alumínio pode gerar essa reação. Em todos os casos é preciso acender essa mistura com uma fonte de calor.
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A reação de termite é bem intensa, libera bastante energia, luz e calor. Fonte: Wikimedia Commons |
Eu gosto muito em como Dr. Stone se preocupa em pelo menos pesquisar os números que vai citar. É o caso, por exemplo, do raciocínio de Senku sobre o consumo de energia do cérebro. Ele diz que o cérebro humano consome 400 quilocalorias (kcal) por dia e esse número está certo, tendo como base que o corpo inteiro consome cerca de 2000 quilocalorias por dia (isso depende muito, pessoas que praticam esportes consomem muito mais) e que o cérebro sozinho consome 20% disso.
Se são 400 kcal por dia, e em 3700 anos temos aproximadamente 1350500 dias, o consumo total nesse tempo é de 540200000 kcal.
Não é comum usar kcal como unidade de medida para energia, prefere-se usar o joule, que é mais geral. 1 kcal são 4184 joules, então fazendo uma regra de três simples descobrimos que 540200000 kcal são pouco mais de 2 trilhões de joules (o valor que Senku dá, certinho!). Lembrando que isso é só o consumo do cérebro.
Isso pode parecer muito, mas, para efeito de comparação, a bomba atômica de Hiroshima liberou cerca de 63 trilhões de joules na sua explosão. A erupção do vulcão Krakatoa, por sua vez, soltou perto de 840 trilhões de joules.
Ou seja, se conseguíssemos capturar toda a energia liberada pelo Krakatoa poderíamos abastecer 420 cérebros humanos por 3700 anos!
No capítulo 16 vemos Senku usar uma invenção que eu estava esperando bastante: as polias. Polias são objetos muito simples, mas com uma genialidade impressionante por trás. Elas existem há séculos e ajudaram em grandes obras do passado, como templos, pirâmides e estátuas. O princípio também é simples: uma polia ajuda na distribuição da força a ser levantada. Se a polia está presa, ela não diminui a quantidade de força que precisa ser feita, apenas redireciona a aplicação de força e pode facilitar o levantamento (uma pessoa de um lugar mais alto pode trazer o objeto pesado até ela com mais facilidade, por exemplo).
Já uma polia móvel, pelo fato de estar sustentada pelo próprio mecanismo, diminui a força necessária. Sendo mais exato, cada polia móvel diminui a força pela metade.
Então vamos às contas de Senku. Ele deduz que o tronco que precisa ser erguido tem 1 tonelada, entretanto só é preciso levantar um lado dela, então 500 kg. Portanto, adicionando uma polia móvel, a força que precisa ser erguida é o equivalente a 250 kg. Com duas polias 125 kg. Com três, que é o que ele usa, são 62,5 kg. Como Senku diz que possui cerca de 60 kg, ele se pendurando na outra ponta do sistema de cordas e polias seria o suficiente.
Como você deve ter percebido, ficou faltando 2,5 kg aí. Mas podemos considerar a aproximação boa, pois talvez o tronco não tenha exatamente aquele peso, nem o próprio Senku esteja com 60 kg. Por via das dúvidas ele deveria ter feito quatro polias, assim só ia precisar de uns 30 kg na outra ponta da corda. E depois o triciclo teria quatro rodas, bem mais estável.
Ou talvez pudesse fazer uma pá para cavar por baixo e tirar a Kohaku dali. Mas aonde estaria a graça nisso, né?
Agora vou comentar os truques que o Chrome usa.
Mudar a cor do fogo usando substâncias químicas é algo que a humanidade domina há séculos. Hoje nós vemos isso aos montes nos fogos de artifício coloridos.
O funcionamento pode parecer complicado, mas não é. Sabemos que os elementos químicos são feitos de átomos e esses átomos possuem partículas chamadas elétrons em sua composição. Os elétrons ficam distribuídos de acordo com a quantidade de energia que têm. Quando o elemento é colocado numa chama, os elétrons recebem energia do fogo e vão parar em grupos de elétrons com mais energia, só que ficar tão cheio assim é algo instável, a estabilidade é melhor quando a partícula está com a menor quantidade de energia possível. Pensem assim: se uma bola está no topo de um morro, ela está cheia de energia, e se a soltarmos o que vai acontecer? Ela vai descer até o ponto mais baixo possível.
Então, para voltar ao estado com menor energia, o elétron libera de volta a energia. Como cada elemento tem níveis diferentes de energia, essa energia que o elétron libera varia. Essa variação é que faz cada elemento ter uma cor diferente. Os sais são bons para fazer isso porque eles podem carregar elementos bem diferentes, como vocês já verão.
Coloquei abaixo uma tabela com as cores mostradas pelo Chrome (as três primeiras), algumas a mais por curiosidade e elementos que podem ser usados:
Cor |
Elemento que dá a cor |
Amarelo |
Sódio, como o que tem no sal de cozinha (cloreto de sódio) |
Azul |
Cobre ou enxofre |
Púrpura |
Potássio* |
Dourado |
Ferro |
Prateado |
Alumínio |
Laranja |
Cálcio |
Verde |
Bário |
*Senku diz que cobre é usado para produzir a chama púrpura, porém isso só acontece se o cobre estiver misturado com estrôncio.
Todos os sais com esses elementos podem ser facilmente encontrados na natureza.
Aqui vai o que eu acho a parte mais legal de sabermos isso: se nós captarmos a luz liberada pelas estrelas, podemos mapear a energia que ela emite, analisar as cores e descobrir de que elementos elas são feitas. E já fazemos isso há décadas! É assim que sabemos do que não só as estrelas, mas vários outros objetos do universo são feitos.
Outro truque de Chrome era o de usar uma "bola mágica" para dar choque nos outros. Essa bola mágica é uma esfera feita com enxofre, um instrumento criado pela primeira vez por um físico alemão chamado Otto von Guericke no século 17. Esse foi o primeiro gerador de eletricidade estática, que é o acúmulo de cargas elétricas que não estão se movendo.
Um dos jeitos de obter eletricidade estática é atritando dois materiais diferentes. Ao atritar, um dos materiais vai passar os (nossos já conhecidos do tópico anterior) elétrons para o outro, de acordo com suas propriedades. O que define quem vai perder e quem vai ganhar elétrons é a chamada série triboelétrica. Abaixo vou colocar alguns exemplos dessa série:
Pele humana - Cabelo - Vidro - Lã - Papel - Borracha - Plástico
Quando mais para a esquerda maior a chance do material dar elétrons e quanto mais para a direita maior a chance de receber. Se você agitar as mãos em algo de vidro, por exemplo, as mãos vão dar elétrons para o vidro.
Como os elétrons tem carga elétrica negativa, quem os perde fica "mais positivo" e quem os ganha fica "mais negativo".
Na natureza, tudo tende ao equilíbrio e, por isso, tudo que está em equilíbrio tem uma carga neutra, nem mais positivo nem mais negativo. Quando você passa os elétrons de um lugar para o outro, eles vão ficar fora desse equilíbrio.
Por exemplo: se você esfregar demais o seu cabelo com um pente de plástico, veja pela série que o cabelo vai dar elétrons para o pente. Assim, o cabelo todo vai ficar mais positivo. Você já deve ter ouvido que os "opostos se atraem e os iguais se repelem". E isso acontece, enquanto tudo estava neutro o cabelo ficava normal, mas agora que ele inteiro está positivo cada fio vai se repelir um do outro, por isso que vemos aquele efeito divertido do cabelo arrepiado.
Um outro exemplo legal que meu pai me mostrava quando criança era assim: esfregue uma caneta de plástico no seu cabelo (em um sentido só, como se estivesse penteando ele), depois aproxime essa caneta de pedaços de papel picado. O papel vai grudar na caneta.
Vamos analisar a série. O cabelo vai dar elétrons para a caneta, então a caneta vai ficar mais negativa até que o papel. Como o papel está mais positivo e a caneta mais negativa, ou seja opostos, elas irão de atrair.
Bom, vou ficando por aqui. Como comentei, a próxima parte deve sair mais rápido do que o intervalo entre as partes 1 e 2, então em janeiro já teremos ela por aqui. E nela vou focar inteiramente na criação do remédio, então vamos estudar todo aquele diagrama do Senku!
Se alguma explicação não ficou clara ou ainda restou dúvida, me avisem nos comentários que eu reescrevo. Me lembrem também se eu deixei passar alguma tecnologia que mereça explicação.
Compartilhem esse post com quem curte ciência ou Dr. Stone, ou os dois. Ah, e também não se esqueça de curtir a página do blog no Instagram!
Confira todas as partes que já fiz (é só clicar na imagem):
Parte 1 |
Parte 2 |
Parte 3: Especial da criação de Remédios
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Parte 4
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Parte 5: Especial da criação do celular |
Parte 6
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|
Parte 7: Armas de guerra |
Até a próxima postagem!