Existe uma coisa que eu sempre achei fantástica em Naruto: o protagonista vencia por suas próprias qualidades. Em shonen é muito comum termos protagonistas com o arquétipo de "The Chosen One" ("O Escolhido", como fica nas traduções), que é aquele personagem destinado a ser especial. Eu não tenho problema com esse arquétipo (é só ver as obras de qual sou fã, a maioria o possui), a questão é que quando alguma obra sai desse clichê ela ganha um destaque automaticamente. Naruto parecia uma dessas. Parecia.
Inicialmente somos apresentados ao Naruto como um garoto sem qualquer habilidade, mas com um sonho e muita determinação para atingi-lo. Logo no primeiro capítulo vemos o nível de esforço que ele emprega para aprender um único jutsu e, apesar de ter a justificativa de que ele possui mais chakra que o normal (o que já o torna quase único), ainda engolimos a sua ideia do esforço. Depois ele ainda foca toda as suas habilidades futuras nesse jutsu (o clone das sombras), que se torna seu trunfo. Era alguém que fazia muito tendo pouco. Isso diferenciava ele do Sasuke, um prodígio de um clã superpoderoso que já nasceu com Sharingan e desde pequeno teve o privilégio de receber um treinamento especializado.
E os primeiros arcos dão continuidade a esse empenho do Naruto: ele escala a árvore usando chakra não porque é o escolhido, mas porque se esforçou e treinou bastante, gerando um dos melhores momentos que é a cooperação dele com o Sasuke. Inclusive, não é só o esforço que movia o Naruto para frente. Os seus amigos o tornavam muito melhor e mais forte.
Quando chega o arco do Torneio Chuunin temos a luta do Naruto com o Neji. O Neji passa o tempo todo falando de destino, sobre como há algumas pessoas predeterminadas a coisas grandes e outras que estão destinadas a ser um fracasso. A luta termina com Naruto derrotando Neji e ensinando a ele que não existe isso de destino, que ser bem sucedido ou um fracasso é tudo uma questão do que a pessoa faz na sua vida. Uma lição tão linda quanto o soco que Naruto dá no Neji nessa cena.
Enfim, somos agraciados com vários momentos mostrando que Naruto era justamente essa pessoa com determinação para criar o próprio destino e se tornar alguém grandioso no futuro, um Hokage, por conta própria e, é claro, com auxílio dos amigos. Você pode estar se perguntando se ele já não era especial por conta da Nove Caudas no seu corpo, mas pense como, na maioria das vezes, ela era mais um empecilho do que de ajuda. Naruto teve que vencer o preconceito que as pessoas tinham dele ao vê-lo como o próprio demônio para conquistar o que queria. Quando liberava seu poder, precisava, na verdade, era se conter para impedir que ela machucasse as pessoas.
Lembram-se como foi interessante ver o Naruto descobrir que poderia usar os clones para aprender mais rápido? O treinamento para descobrir como controlar o elemento do vento (e juntá-lo ao Rasengan) é uma das minhas partes favoritas por isso, é algo tão bem construído que você comemora por ver uma folha cortada! Aliás, podemos até ir antes disso, quando ele tenta aprender o próprio Rasengan! Não é poder bruto tirado do nada, é estratégia, isso mostra que o personagem evoluiu não só na capacidade de dar porrada, mas que ele está APRENDENDO de verdade. Isso sim é desenvolvimento de personagem.
Com o passar do tempo vamos recebendo algumas informações adicionais sobre o Naruto. Que ele era filho do Quarto Hokage (isso já era indicado antes, mas a confirmação veio lá no arco do Pain), que o Clã Uzumaki não era qualquer clã e sim um muito conhecido pela grande quantidade de chakra que seus membros tinham e pela capacidade com jutsus de selo. Ou seja, o Naruto não era exatamente alguém vindo do nada: sua família era poderosíssima! E não só em poder físico, como também em poder político e social. Aqui entram contradições, como por exemplo o estilo de vida ao qual as pessoas que sabiam do parentesco de Naruto o deixaram ser submetido (Terceiro Hokage, essa é pra você!), só que não quero entrar nisso agora.
Ainda no arco do Pain é revelado que Naruto é a "criança da profecia", ou seja, por se tratar de uma profecia, ele estava destinado a algo. Sabe o papo de destino com o Neji? Toda a lição do Naruto? Pode jogar fora, porque ninguém no anime inteiro foi uma prova melhor de que tudo já está escrito do que o próprio Naruto.
E calma que não para por aí. Depois ainda é revelado que Naruto é a reencarnação de Ashura, um dos filhos do Eremita dos Seis Caminhos! Ou seja, o tempo todo ele esteve destinado a coisas grandes! Sabe o esforço dele? Foi um mero joguete.
Isso me incomoda profundamente por vários motivos. Um deles é que desvaloriza completamente os que se esforçaram de verdade. Veja o Rock Lee, que no Torneio Chuunin dá uma lição de verdade mostrando como o trabalho duro compensa ao derrotar Sasuke rapidamente. Depois ele ainda dá um show contra Gaara. E sabe o que acontece com ele depois? É ultrapassado drasticamente pelos privilegiados do poder herdado, ou você acha que ele era mais forte que Naruto, Sasuke, Neji, etc.? E eu não vou nem falar na Tenten, outra que era sempre vista treinando e sabemos bem no que deu.
Pois bem, o grande ponto aqui é que essa quebra de discurso é frustrante, o leitor se sente enganado porque éramos levados por um caminho e, sem aviso prévio, somos jogados em outro completamente diferente.
Eu imagino que a motivação para essas mudanças é a falta de planejamento de Kishimoto sobre os rumos de sua própria obra. Os vilões iam se sobrepondo uns aos outros toda hora, uma ora era Akatsuki, depois veio Obito, depois Madara, Zetsu e por fim Kaguya. O autor fez isso para continuar a obra, porém um herói jamais conseguiria se equiparar a semideuses se continuasse apenas com trabalho duro e esforço próprio! E não me venha querer falar do Gai, porque sim, foi impressionante ele abrindo todos os portões e aquilo foi uma boa demonstração de esforço, porém foi muito mal usado no roteiro, soou extremamente artificial e ainda por cima não teve a consequência que foi previamente estabelecida (que seria a morte do Gai).
Bom, eu pretendo falar sobre essas escalas de poder em outra postagem. O que fica para essa é uma das minhas decepções e, assim, uma das justificativas para eu odiar o final de Naruto. Essa mudança no que vinha sendo apresentado antes tira parte do que tornava o personagem mais interessante e, pior ainda, desmerece tudo que ele fez no começo, torna ele um hipócrita por discursar sobre montar o seu próprio destino quando ele próprio era a noção de destino encarnada.
Acho que já escrevi demais por hoje. Mais para frente vou comentar sobre outros aspectos, como a bagunça nos poderes e também outras mudanças de discurso sem sentido (como o Nagato que fez uma guerra porque odiava guerras), até lá comentem o que acharam, me digam se vocês concordam comigo ou no que discordam! Afinal esse tipo de postagem é para gerar debate.
Até a próxima postagem!