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quinta-feira, 13 de abril de 2023

Quimeras humanas são possíveis? - A Ciência de Fullmetal Alchemist

Alguns anos atrás circulou bastante a notícia de que o Japão tinha permitido a criação do que alguns jornais chamaram de "quimeras humanas". Eu entendo que esses jornais precisam de manchetes alarmantes para atrair leitores, porém precisamos tomar cuidado com esses termos. Baseado nisso, vou explicar o que foi essa notícia usando como base a ciência de Fullmetal Alchemist e falar sobre quimeras humanas!




Em Fullmetal Alchemist a alquimia enfrenta vários tabus. Qualquer um que tenta realizar esses feitos é condenado judicialmente ou socialmente, afinal são ações consideradas muito imorais e antiéticas. Temos, por exemplo, a transmutação humana que comentei em outra postagem. Mas agora quero focar em outro tabu: criar quimeras humanas.

Uma quimera é, no sentido mais simples, uma mistura entre animais. Na mitologia grega havia várias descrições de bichos assim, como a de um leão com patas de touro e uma serpente no lugar do rabo. É fácil imaginar como essas ideias surgiram no imaginário das pessoas, afinal parece a mistura de muitos medos em uma coisa só. Esse tipo de mistura puramente animalesca em Fullmetal é até aceitável, como podemos ver na criatura na imagem abaixo, que é uma quimera usada como guarda. O tabu mesmo era se um dos animais misturados fosse um humano.


No mangá tivemos alguns exemplos que deram ""certo"" e uns que funcionaram, porém ficaram um tanto... traumatizantes. Quem aí que leu (ou assistiu o anime) não se lembra da Nina Tucker?
 

A gangue do Ganância tinha quimeras humanas que conseguiam lidar bem com as habilidades animais que haviam ganhado com a mutação. Major Kimbley tinha quimeras humanas como guarda-costas. Só que todos esses eram humanos normais que conseguiam desenvolver as habilidades do animal ou assumir uma forma híbrida e depois voltar ao normal.
O que o alquimista federal Shou Tucker tentava obter, e de certa forma conseguiu com a filha, era uma quimera animalesca capaz de falar e demonstrar consciência humana.



E agora, quais as possibilidades científicas?


Se formos bem abrangentes, nós já somos quimeras. Certos vírus, bactérias e fungos são capazes de alterar o DNA de animais, pois é assim que eles sobrevivem. Por exemplo, certos vírus mudam no DNA o jeito como o corpo produz células, alterando para um jeito que os favoreça. E pode acontecer de, quando os animais passam seu DNA adiante para os filhos, pedaços do que foi inserido pelos vírus também passarem. Milênios atrás, esses seres fizeram isso tantas vezes que outros animais acabaram ficando com muitos genes de vírus e bactérias no próprio código genético. 

Um exemplo que eu acho incrível é que só é possível para as mulheres humanas gerarem um bebê por conta do material genético de vírus que se mesclou ao DNA de mamíferos milhões de anos atrás. Afinal, o bebê é um organismo nascendo no corpo de outro, então o que impede esse corpo hospedeiro de tentar expulsá-lo? Quem bloqueou isso foi justamente esse pedaço de material genético do vírus (que é alguém que sabe muito bem como se proteger contra ser expulso do corpo). Mas aqui estamos falando de quimeras genéticas e não é tão visualmente chocante. Vamos aumentar uma etapa.

Um caso mais comum do que imaginamos acontece quando, durante a gestação de gêmeos, um dos bebês morre e o outro acaba absorvendo ele por completo. Algumas vezes isso pode se manifestar no bebê sobrevivente como alguma parte extra (um mamilo, por exemplo); algo mais simples, como uma verruga, ou fica completamente imperceptível. Ainda que nada mude no corpo, pode acontecer da pessoa ter dois DNAs. Um exemplo muito conhecido é o da cantora e modelo Taylor Muhl, que absorveu a sua irmã gêmea morta no útero e nasceu com dois tons de pele diferentes. Antes ela achava que era apenas uma grande marca de nascença, até descobrir que os dois lados tinham DNAs diferentes, um que era seu mesmo e outro que seria o da sua falecida irmã.


Existem vários outros exemplos ainda, vários com plantas inclusive, mas tenho certeza que poucos de vocês vieram aqui ler sobre isso. Vocês querem as quimeras monstruosas, pessoas com cabeça de outros animais e coisas assim, né?

Acontece que existe esse tabu na vida real também. E eu até acho que faz sentido. Pense comigo, para fazer um experimento como esse é preciso submeter uma pessoa a vários procedimentos cirúrgicos, processos que podem nem funcionar direito. O mesmo para um animal. Então, para quê fazer uma pessoa sofrer tanto sendo que o resultado não vai trazer nada de produtivo a não ser um freak show?

O que foi autorizado no Japão é permitir que órgãos humanos sejam gerados em animais. Funciona assim: os cientistas pegam as células-tronco (que são capazes de se transformar em outras células) de um humano e as implantam em um animal, fazendo as modificações necessárias para o que quiserem desenvolver. E então esse animal vai nutrir e crescer essas células até formarem um órgão novo. Com isso é possível, por exemplo, gerar um fígado humano dentro de um porco. Quando a pessoa precisar de um fígado, ao invés de esperar um doador compatível, é só ir até uma "fazenda de fígados" onde haverá dezenas de tipos disponíveis em milhares de porcos criados com essa função. Existe uma discussão de ética animal envolvida nisso, mas não quero entrar nesse assunto porque o texto já está bem longo.

Ok, vamos às quimeras pra valer. A partir de agora vou usar "quimera" como a mistura monstruosa de animais, não mais no sentido que vimos anteriormente.

A primeira tentativa a se imaginar é por meio da relação sexual, esperando que a cria seja uma mistura dos pais. Ou, de maneira menos direta, por inseminação artificial. Ilya Ivanov, um cientista soviético, se tornou especialista nessa área por volta de 1920 e por meio de inseminação conseguiu gerar híbridos de espécies diferentes como burros e zebras, entre outros. E ele até tentou fazer híbridos inseminando chimpanzés com espermatozoides humanos, o que não deu certo. Ivanov queria tentar o contrário, inseminar mulheres com o espermatozoide de macacos, porém seus animais morreram antes que ele pudesse começar o experimento e (por questões políticas da União Soviética) ele foi preso e exilado. Nesse meio tempo há registros de que ele tentou inseminar humanos em Guiné, na África, mas até onde sabemos ele não foi autorizado.

O ligre é uma mistura entre leão e tigre

Em 1977, com a microbiologia mais desenvolvida, foi testado se o espermatozoide humano seria capaz de fecundar óvulos de primatas como chimpanzés, que são os nossos parentes mais próximos. E o resultado foi: não é possível. Sem nem com primatas é possível, podemos esquecer com outros animais. Inclusive, todos os híbridos (como os ligres) são entre espécies próximas, ninguém consegue gerar uma mistura de ave e felino, por exemplo. Portanto, nenhuma quimera pode nascer da relação sexual entre um humano e um animal. Resta então modificar seres vivos para unir partes um no outro.

Aí entra outro empecilho: a incompatibilidade. O corpo humano, assim como o de qualquer outro animal, tem suas características específicas e quase nunca elas são compatíveis entre espécies diferentes. Primeiro vem o trabalho colossal que seria unir cirurgicamente partes de animais diferentes, são ossos que não batem no tamanho e densidade, fibras musculares variadas, vasos sanguíneos incompatíveis. E mesmo que isso seja feito e o membro implantado se encaixe, ele dificilmente vai ficar funcional. Pelo menos não por muito tempo. Eu explico:

Nosso DNA dita como o corpo vai funcionar, como se ele fosse o código de programação de um software. É graças a ele que renovamos nossas células constantemente de maneira correta, com seu código dizendo onde, quando e como serão as funções delas. Um membro animal diferente terá células com DNA diferente, então vai se comportar em descompasso com o resto do corpo. Imagine o caos biológico que isso seria. O que eu acho que irá acontecer é que o membro simplesmente começaria a se decompor como se seu dono estivesse morto. E pode acontecer o principal na incompatibilidade: o corpo vai identificar aquele DNA diferente como um invasor e fará de tudo para destruí-lo, essa é a chamada rejeição. Se isso já acontece até com órgãos transplantados de humano pra humano, o que seria dos membros animais.

Então a conclusão é que quimeras humanas no sentido de mistura entre humanos e animais ainda não existe e muito provavelmente nunca será possível por questões de incompatibilidade, afinal são criaturas completamente diferentes em vários níveis, em especial na genética.

Esse assunto rende muito mais discussões e eu até tinha mais coisas para comentar, mas acho que já me alonguei demais, então fico por aqui!


Até a próxima postagem!


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